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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A arte em movimento

 Chovia forte, a estrada escura e estreita, obrigava o motorista a dirigir em baixa velocidade e atenção redobrada. Quarenta e cinco minutos depois, os ocupantes daquele automóvel já podiam visualizar algumas luzes em meio à escuridão. Certamente o destino estava próximo. 

A chuva não fazia parte do roteiro da equipe do Clube de Cinema que na última semana havia programado levar mostras cinematográficas a algumas comunidades aos arredores da capital Macapá. Era possível prever que o tempo frio e chuvoso não atrairia um grande público para a sessão daquela noite, na Comunidade de Campina Grande, a primeira comunidade selecionada para receber a mostra. A equipe, no entanto, ignorou completamente essa possibilidade. Ao chegarem ao local onde se daria a exibição, um salão aberto onde funcionava uma espécie de refeitório para os trabalhadores daquele campo, morcegos irrompiam o ar em malabarismos ameaçadores. 


Como se nada tivesse acontecendo, aqueles bravos voluntários a serviço da sétima arte deram início à montagem da tela e dos equipamentos de som e imagem. 


Logo, um senhor, de botas pretas e largas, usando camiseta e bermuda jeans, prontificou-se a ajudar na organização do espaço, limpando os bancos e o chão que estavam repletos de “insetos voadores” atraídos pelas luzes das lâmpadas. Certamente, se tratava de um funcionário ou colaborador daquele local. E graças a ele, logo tudo estava organizado e pronto para a exibição de cinema. 


A previsão de um público pequeno se confirmou. Realmente, a chuva forte impediu que a maioria dos moradores pudesse prestigiar a mostra. E nem por isso aquele deixou de ser um momento mágico. Ali, em meio à escuridão de uma noite chuvosa, a luz de uma tela refletia histórias que tocavam de alguma forma aqueles espectadores. E entre eles, uma pessoa que pela primeira vez tinha contato com o cinema na tela grande (ainda que de uma forma improvisada), aquele gentil personagem que ajudara na organização. Seu nome: Raimundo Silva, o índio, 48 anos, nascido e criado naquelas redondezas. Nunca fora ao cinema. Sentou-se na terceira fileira de bancos. Olhar atento e curioso. 

O filme começou. Um curta gravado em Santarém, estado do Pará, chamado “Meu tempo Menino”. Nem bem o filme começara e já se ouvia comentários da platéia “ei menino branco!” “não deixa seu tênis aí!”, o público interagia com a história, como se fizesse parte dela. E de alguma forma, fazia. 
"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." Esta frase de Oscar Levant define boa parte do que pode significar o cinema para algumas pessoas.
De que outra maneira seria possível viajar pelo tempo, conhecer outras galáxias, integrar-se a outras espécies, conhecer heróis e heroínas, viajar aos reinos encantados da imaginação. O cinema, neste sentido, é realmente um fluxo constante de sonhos, cujas mensagens rompem fronteiras de linguagens, de classes sociais, raças, religiões... 

O cinema fala, interage com seu espectador mesmo que este não tenha tido contato anterior com essa arte. E este era o caso do "Seu" Raimundo. Cada cena parecia a ele de uma magia inexplicável, como se a imagem, o movimento e o áudio entrassem pela suas pupilas, passeassem pelas suas células e depois explodissem em risos e exclamações!  O encantamento daquele homem simples (e até certo ponto, ingênuo), com o cinema, também encantava a equipe de voluntários.

Quatro curtas foram exibidos naquela noite chuvosa na comunidade de Campina Grande. Três deles gravados e dirigidos por pessoas da região norte: “Meu Tempo Menino”, “Açai com Jabá” e “A onda”.  O que certamente contribuiu para que aquelas pessoas se identificassem com aquelas histórias. O último filme exibido “Por que Olhos Tão Grandes?” conta a comovente história de um menino cego e apaixonado pela fotografia. A mensagem emociona e é de fácil compreensão por qualquer pessoa que tenha sensibilidade. E sensibilidade não faltou naquela noite. Ao fim da sessão, os aplausos ecoavam pelo silêncio noturno. 

Por Mary Paes