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Nunca achei que fosse viver muito. Quando criança ouvia conversas na sala... “esta menina é muito doente...” eu achava que iria morrer. Sempre doente... Sempre magra... Cheia de complexos, de medos da vida, das pessoas, das coisas...
Tinha um amigo que se chamava Miguel... Ele tinha os olhos grandes e verdes, cabelo liso, negro, caído sobre a testa alva, parecia um anjo. Sempre aparecia quando eu estava triste.
Miguel quase nunca falava e eu também não. Não precisávamos de palavras para nos comunicar. Ficávamos lá no canto do “salão”, uma sala grande onde meus pais promoviam bailes aos sábados... Durante a semana o espaço era silencioso e às vezes sombrio.
Miguel me trazia um caderno velho, de capa dura, também trazia um lápis, colocava-os entre os meus dedos... Aos cinco anos aprendi a ler e escrever, sem nunca ter ido à escola até aquela idade.
Não fui aceita no pré-escolar, estava adiantada. Fui para a primeira série... Lá todos pareciam melhores do que eu... As meninas bonitas, com seus cabelos sedosos, enfeitados com laços... E vestidas tão lindamente, como as bonecas que um dia eu quisera ter. Não era feliz ali. Sentia um medo inexplicável.
Mas, mesmo que eu me sentisse triste, Miguel nunca me visitava na escola. E eu nunca perguntei por quê.
Pouco me recordo de minha infância... Além de me sentir meio só... Lembro do frágil sol de inverno e do vento soprando, gelando meus dedos... E do casaco de lã... Íamos, eu e Miguel... Deitávamos no gramado do lado de casa, pra sentir o sol aquecer nossos rostos...
Sinto saudades do cheiro do casaco de lã, um cheiro ilusório... Não me lembro quando foi que perdi o olfato... Minhas reminiscências me confundem às vezes...
Também não me lembro quando foi exatamente que Miguel afastou-se de mim... ou eu dele...
Acho que cresci, e me tornei estúpida demais para acreditar em amigos imaginários.
Por Mary Paes